(Sarita Erthal)
No dia 06 de julho, fui ao cartório
registrar o falecimento do meu pai. Por ironia do destino, a antiga casa em que
ele funciona, situada na Rua Salvador Correia, havia sido a residência em que
passei os melhores momentos da minha infância. Durante uns quatro anos, aquele
fora o meu endereço.
Era uma casa bem cuidada, cheia de
vida, flores, festas e amigos: era um Lar.
Com um triste propósito, porém,
entrei pela garagem que, naquela época, abrigara um Del Rey Ghia zero
quilômetro, peguei minha senha e dei uma volta pelo quintal enquanto aguardava
a minha vez.
Não havia mais as camélias de que
minha mãe gostava tanto, nem a parreira de uvas pequenas e azedas que sombreava
parte do espaço. No entanto, os ganchos que sustentavam a rede em que meu pai
tirava longos cochilos continuam lá, assim como a fonte cuja bica d’água sai da
boca de um leão preso à parede. São boas as recordações daquele número 102.
Eu não era a única que precisava
tirar uma certidão de óbito: havia mais oito pessoas com o mesmo fim. Havia
ainda outros casos igualmente importantes, como nascimentos e casamentos.
Enfim, somos humanos e necessitamos registrar os atos e fatos de nossas vidas.
Os que, como eu, precisavam daqueles
serviços sentiam o desconforto com a demora e a falta de um espaço adequado
para esperar o momento de ser atendido. No mesmo barco, palavras de consolo iam
surgindo em meio às histórias de cada um.
Ter consciência da vida, assim como a
certeza da morte é um dos fatores que nos diferencia dos outros animais. E,
naquele misto de sensações, entre o rememorar do ontem e o lamento do hoje,
deparei-me com o seguinte aviso, preso a um porta-lápis na mesa da funcionária:
TIRE A PATA.
Fui atendida na mesa ao lado, mas não
me contive em fotografar a tão inoportuna mensagem. Ainda assim, não perdi a
concentração, pois sou gente. Assinei os papéis onde antes ficava a sala de
estar, um dia, decorada pelos meus pais. Dali era possível ver o quarto deles,
ao lado do meu, e o piso de ladrilhos pretos e brancos da copa em que fazíamos
nossas refeições.
Contudo, fiquei feliz ao ter a
certeza que o meu Lar continua vivo em minha memória e que as boas lembranças
do meu pai, naquele lugar, serão eternas em meu coração.
Senti que os colegas de espera também
nutriam a esperança de um amanhã melhor, compartilhando, com os seus, as
alegrias e as tristezas de ser humano.
Saí com o atestado de óbito rumo ao
velório do meu progenitor. Antes, despedi-me daqueles que, por longas duas
horas, se fizeram solidários uns aos outros, inclusive a mim.
Por esse instante, foi bom saber que
este mundo ainda não está perdido.
1 comentários:
DOREEEEEEEEEEEEI
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