TIRE A PATA!


Sarita Erthal | 22:52 |

(Sarita Erthal)

          No dia 06 de julho, fui ao cartório registrar o falecimento do meu pai. Por ironia do destino, a antiga casa em que ele funciona, situada na Rua Salvador Correia, havia sido a residência em que passei os melhores momentos da minha infância. Durante uns quatro anos, aquele fora o meu endereço.
          Era uma casa bem cuidada, cheia de vida, flores, festas e amigos: era um Lar.
          Com um triste propósito, porém, entrei pela garagem que, naquela época, abrigara um Del Rey Ghia zero quilômetro, peguei minha senha e dei uma volta pelo quintal enquanto aguardava a minha vez.
          Não havia mais as camélias de que minha mãe gostava tanto, nem a parreira de uvas pequenas e azedas que sombreava parte do espaço. No entanto, os ganchos que sustentavam a rede em que meu pai tirava longos cochilos continuam lá, assim como a fonte cuja bica d’água sai da boca de um leão preso à parede. São boas as recordações daquele número 102.
          Eu não era a única que precisava tirar uma certidão de óbito: havia mais oito pessoas com o mesmo fim. Havia ainda outros casos igualmente importantes, como nascimentos e casamentos. Enfim, somos humanos e necessitamos registrar os atos e fatos de nossas vidas.
          Os que, como eu, precisavam daqueles serviços sentiam o desconforto com a demora e a falta de um espaço adequado para esperar o momento de ser atendido. No mesmo barco, palavras de consolo iam surgindo em meio às histórias de cada um.
          Ter consciência da vida, assim como a certeza da morte é um dos fatores que nos diferencia dos outros animais. E, naquele misto de sensações, entre o rememorar do ontem e o lamento do hoje, deparei-me com o seguinte aviso, preso a um porta-lápis na mesa da funcionária: TIRE A PATA.
          Fui atendida na mesa ao lado, mas não me contive em fotografar a tão inoportuna mensagem. Ainda assim, não perdi a concentração, pois sou gente. Assinei os papéis onde antes ficava a sala de estar, um dia, decorada pelos meus pais. Dali era possível ver o quarto deles, ao lado do meu, e o piso de ladrilhos pretos e brancos da copa em que fazíamos nossas refeições.
          Contudo, fiquei feliz ao ter a certeza que o meu Lar continua vivo em minha memória e que as boas lembranças do meu pai, naquele lugar, serão eternas em meu coração.
          Senti que os colegas de espera também nutriam a esperança de um amanhã melhor, compartilhando, com os seus, as alegrias e as tristezas de ser humano.
          Saí com o atestado de óbito rumo ao velório do meu progenitor. Antes, despedi-me daqueles que, por longas duas horas, se fizeram solidários uns aos outros, inclusive a mim.
          Por esse instante, foi bom saber que este mundo ainda não está perdido.





1 comentários:

Anônimo at: 25 de outubro de 2013 às 18:25 disse...

DOREEEEEEEEEEEEI

Postar um comentário

 
Sarita Erthal © 2012 Design by Best Blogger Templates | Edited by Letícia E.